terça-feira, 13 de dezembro de 2011

ária na corda do Sol

eu não poderia cantar para uma multidão,
se não nada que estou fazendo teria sentido
nem um pingo dessa má sorte
teria algum valor, seria um cuspe pro alto
nenhuma má sorte vale a pena quando não é só sua

talvez eu pudesse proclamar isso para as virgens,
poderia me deitar no trono de Zeus,
clamar aos prantos por Hermes,
dar-lhes um mistério para atormentá-los
e invadir os sonhos da Esfinge

e toda vez que o mistério fosse desvendado
eu iria me devorar aos poucos, um braço e uma perna,
todos meus pedaços seriam de meus amores
tragados no fim da vida, no pesadelo da deusa

sempre sobra esse desgosto infernal no fim
de cada verso, cada suspiro é um pingo negro
de má sorte que chega no meu coração
uma mancha solar carregada de desespero,
de vontade de respirar, uma incontrolável erupção

não implorem por sinceridade à uma alma amedrontada,
uma alma que viu nos olhos da Medusa os seus próprios,
uma visão assim é aterradora, um deslumbre magnífico
dentro do seu próprio corpo, uma paralisia que não comove,
não revela nada, apenas põe um ser
de frente com a sua má sorte, e de frente com seu enigma,
e então já não se sabe mais a quem devorar

a lira de Orfeu que se sobrepõe ao canto das sereias,
eu gostaria de ter essa melodia para acalmar
as musas deformadas que blasfemam em meu ouvido
mas a única canção que tenho, meu réquiem, o Blues
cai sozinho como chuva nos meus ouvidos
e, não entendo como, se junta ao relento de minhas musas
e é a única coisa que me faz resistir, ao mesmo tempo que completa
essas maldições e me mantém petrificado

a lira de Orfeu que não vem me socorrer
uma esperança atravessada na corda do sol
a infinidade divina que sofre choques térmicos
dentro do corpo e que esmaga a alma imortal,
panteões de insignificâncias que não deixam o cérebro trabalhar,
todas essas crenças imaginárias devem ser
escondidas em baixo de pedras que não se movem

não, nunca poderei cantar para as legiões
pois dentro de mim elas já se encontram fervilhando
e eu sei, na verdade, que toda essa balbúrdia
é um resto de consciência que nasce dentro de toda angústia
e antes de tudo, antes de mais nada, até antes de mim mesmo,
são as correntes de Prometeu que nos impedem de chorar

ao preço de sermos apenas o eterno almoço
de um bando de águias famintas e chatas pra caralho.

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