segunda-feira, 7 de abril de 2014

seus contos de fada

os anos que passo longe de você
são os anos que passo no exílio
em completo silêncio,
sem nem mesmo lembrar do som
das fadas que você me enviava toda noite
para me contar sobre seus olhos de neve,
sua voz de ninfas e de deusas
e seus gestos feitos de histórias de fantasia.

mesmo sem saber o que dizer
eu gostaria de voltar dessa guerra mais uma vez
para te olhar de longe e te desejar como antes,
como naquele dia que não nos vimos,
como aquele dia em que não conversamos
e como todos os dias em que não nos amamos.

eu voltei para dizer que você nunca irá ler o que lhe escrevi;
voltei para ter certeza de que nunca mais iremos nos encontrar;
eu voltarei novamente para nunca ter de te esquecer completamente.

quinta-feira, 22 de março de 2012

mais 2 cigarros pra passar a noite

o motor de velocidade contínua
continua na batida do tambor
em direção à parede de concreto
tentando chegar em seu ponto mais discreto,
enturvando a vista cansada
e chorando ao som da risada

enquanto isso, do outro lado da cidade,
abelhas produtoras de mel
continuam com o zumbido do cordel
e do outro lado do seu grito assassino
no meio da escuridão, só há o olho felino

o verso é fraco, a palavra é incompleta
abutres carniceiros estão a caminho
pra devorar a rima que é a sua dileta

na falta de uma boa composição
não há que se pensar em qualquer inspiração
só a batida do martelo continua no compasso
expondo, gritando, sorrindo pro seu erro crásso

se vir buda na rua, mate-o;
mas se me ver na rua, entre na dança,
ouça a batida do seu coração
e não pese sua cabeça na balança

o vazio é o segredo, o nada é a perfeição,
no meio de tanto barulho não confie na audição,
vá ouvir o som do repique, dançar ao som do samba
acordar às 5 da manhã é o sinal da corda-bamba

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

senhor blecaute, dona nocaute

ouço uma mosca voando no meu ouvido
enquanto estou dormindo
e com o suor grudando as minhas costas no colchão
tento lhe acertar um belo tapa na fuça

daí eu volto a dormir,
sempre de olho no despertador,
e então tenho algum sonho bizarro
e lá pelas quatro da manhã
meu gato começa a miar na janela para entrar

acordar não é o mais difícil,
mas o primeiro pensamento forçado da manhã,
esse sim, derruba qualquer chance de levantar,
tomar um café e sair,
como eu tinha planejado ontem.

então, pra não acordar com o pé esquerdo,
tento por os dois ao mesmo tempo no chão,
levanto, lembro de alguma música
e então os próximos passos:
acender a luz, me vestir, dar meia volta e deitar.

gostaria de te perguntar mais uma vez,
o que nos faz ser tão solitários às cinco da manhã,
quando o despertador martela no seu ouvido,

nesse espaço de tempo tão curto?

deixa pra lá, já estou atrasado.

sábado, 7 de janeiro de 2012

particulas subatômicas de consistência duvidosa cruzando o oceano em velocidade negativa

de cristais polidos e de ferros franzidos
chega no ouvido desatento todo tipo de suspiro,
cada empecilho desprovido de velocidade cósmica
que se atraca no caminho do transeunte desavisado

de pedras preciosas e de falhas maravilhosas,
na terra dos sangue-de-barata e no planeta xyz
dicotomicamente um único objetivo com vários sentidos
e entende-se do jeito que quiser, de vez em quando
um olho de vidro no lugar da curva sinistra

dos anéis de Saturno e da quintessência,
um jato de quartetos de cordas devoradores de sangue
da tropa dos trompetes furiosos no quadrante ao quadrado,
do som violento que contorna as taças de cristais
e acerta em cheio o seu ponto cego

viajante, vadiante e verde-jade
todos estão na filada sopa
tragam as colheres e as vasilhas
de aço e de ferrugem ou de madeira e fuligem
o prato principal é de fino palato
chegue mais e faça o seu prato

de todos os despedaços das animações
de todos os descantos da terra
os trilhos elétricos da válvula mestre
desembocam imediatamente nas tumbas voadoras
e nos jatos atômicos de fissão nuclear

(coda)

de pétalas de neve e de halos lunares,
só os conhecem quem os criou e não os provou,
de lapidários e de mundos de fantasia,
uma triste equação invertebrada
de polos e de apolos

não chore mais, logo já irá acabar
pra esse assunto não existem mais substantivos
tudo aqui só se passará no verbo infinito.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

acordas

a alma pode ser dividida, talvez,
em três grupos de cordas, a saber:
as de execução, onde a melodia é concebida,
e que sempre chegam aos ouvidos, até aos menos atentos;

as cordas de pontuação possuem um caráter
intermediário, como uma paisagem que nós nem
nos damos conta, mas se logo nos atentarmos
poderemos ouvir o timbre metálico no fundo de nossa cabeça;

e, meus amigos, as simpatéticas,
pouco ouvidas, pouco tocadas, quase sempre inertes,
mas que age em simpatia com todas as outras cordas,
reverberando silenciosamente, e poucos as ouviram,
poucos até mesmo as tocarão, mas estão presas à
caixa de ressonância junto às outras, e acreditem ou não,
são as mais numerosas.

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

ária na corda do Sol

eu não poderia cantar para uma multidão,
se não nada que estou fazendo teria sentido
nem um pingo dessa má sorte
teria algum valor, seria um cuspe pro alto
nenhuma má sorte vale a pena quando não é só sua

talvez eu pudesse proclamar isso para as virgens,
poderia me deitar no trono de Zeus,
clamar aos prantos por Hermes,
dar-lhes um mistério para atormentá-los
e invadir os sonhos da Esfinge

e toda vez que o mistério fosse desvendado
eu iria me devorar aos poucos, um braço e uma perna,
todos meus pedaços seriam de meus amores
tragados no fim da vida, no pesadelo da deusa

sempre sobra esse desgosto infernal no fim
de cada verso, cada suspiro é um pingo negro
de má sorte que chega no meu coração
uma mancha solar carregada de desespero,
de vontade de respirar, uma incontrolável erupção

não implorem por sinceridade à uma alma amedrontada,
uma alma que viu nos olhos da Medusa os seus próprios,
uma visão assim é aterradora, um deslumbre magnífico
dentro do seu próprio corpo, uma paralisia que não comove,
não revela nada, apenas põe um ser
de frente com a sua má sorte, e de frente com seu enigma,
e então já não se sabe mais a quem devorar

a lira de Orfeu que se sobrepõe ao canto das sereias,
eu gostaria de ter essa melodia para acalmar
as musas deformadas que blasfemam em meu ouvido
mas a única canção que tenho, meu réquiem, o Blues
cai sozinho como chuva nos meus ouvidos
e, não entendo como, se junta ao relento de minhas musas
e é a única coisa que me faz resistir, ao mesmo tempo que completa
essas maldições e me mantém petrificado

a lira de Orfeu que não vem me socorrer
uma esperança atravessada na corda do sol
a infinidade divina que sofre choques térmicos
dentro do corpo e que esmaga a alma imortal,
panteões de insignificâncias que não deixam o cérebro trabalhar,
todas essas crenças imaginárias devem ser
escondidas em baixo de pedras que não se movem

não, nunca poderei cantar para as legiões
pois dentro de mim elas já se encontram fervilhando
e eu sei, na verdade, que toda essa balbúrdia
é um resto de consciência que nasce dentro de toda angústia
e antes de tudo, antes de mais nada, até antes de mim mesmo,
são as correntes de Prometeu que nos impedem de chorar

ao preço de sermos apenas o eterno almoço
de um bando de águias famintas e chatas pra caralho.